Uma das primeiras coisas que todos aprendemos é que mentir é algo feio. Ou pelo menos a maioria de nós aprendeu. Minha mãe e meu pai ficavam bastante irritados quando uma mentira, mesmo que pequena, saía da minha boca. Logo entendi que aquilo não era nada que podia sair fazendo.
Isso, obviamente, não fez uma criança deixar de contar uma mentirinha aqui, ou outra ali. Passei a fazer isso, contudo, sabendo o que estava fazendo e das implicações disso. Depois de uma primeira e segunda vezes espalhando fake news, na terceira, mãe e pai ficariam desapontados. Perderiam a confiança, pensei.
Achei que era melhor deixar de fazer. Ou, vamos combinar, simplesmente evitar ao máximo. Ou ainda fazer bem feito.
Quem nunca?
A imprensa brasileira comercial, em alguns momentos, parece que não teve ninguém para falar que mentir é feio. Em outros, parece que entendeu direitinho como as coisas funcionam, e só tenta mentir muito bem. Nos dois casos, contudo, existem limites.
Isso porque todo mundo já ouviu, ao menos uma vez na vida, a expressão de que “ninguém é bobo”. Pois bem, a imprensa brasileira defende até hoje as ideias de imparcialidade e neutralidade. Para parte dos canais de comunicação, o jornalismo é apenas uma maneira de refletir a realidade. Para alguns repórteres, o jornalista serve como um espelho do cotidiano.
No primeiro caso, acredito que os canais de comunicação comerciais apenas aprenderam a mentir muito bem. São bastante conscientes dos interesses que defendem e preferem utilizar uma roupagem isenta. No segundo caso, é notório que alguns repórteres realmente acreditam na possibilidade de fazerem um trabalho neutro. Inocente. Ou mau-caráter.
Isso mesmo dentro de um contexto extremamente polarizado, onde o Brasil lida com um cenário de extrema desigualdade e violência. Numa fotografia como essa, o simples fato de escolher reportar ou tratar a violência e a desigualdade já mostram um posicionamento.
Aliás, nada entrega mais a visão de mundo de uma mídia do que o assunto que ela mais opta por cobrir. Some a isso o ângulo e você saberá exatamente o que aquele canal de comunicação defende. Quando tive a experiência de trabalhar com a equipe do Profissão Repórter da Rede Globo, lembro que em alguns momentos na rua ouvia “Globo lixo” e, em outros, “Globo golpista”. Era como se, independente do lado, todos entendiam que a emissora tinha uma posição.
O fato é que a imprensa comercial brasileira é hoje um grande negócio, que permite poder e influência nos rumos da política nacional. E as pessoas sabem disso.
A grande causa da imprensa comercial é garantir e maximizar os lucros dos setores da economia brasileira que historicamente representam aquilo de mais atrasado: o agronegócio e a pecuária. Não à toa, o agro é pop. Não à toa, os povos quilombolas, ribeirinhos e indígenas são nada pops para a imprensa comercial, apesar de serem muito populares.
Diante desse cenário, cabe à mídia independente acabar com essa farra e mostrar que não existe nenhuma imparcialidade por quem defende os interesses dos grandes empresários brasileiros.
O principal trabalho do jornalismo de causas é o de construir uma relação de confiança e transparência com o público, de compartilhar o posicionamento, aquilo que pensa e acredita, sem deixar de lado a objetividade. Não é possível omitir informações que sejam importantes e tornem o fato complexo. É preciso coragem, inclusive, para enfrentar o próprio público e, no limite, topar enfrentar a audiência.
Cabe ao jornalismo fazer o que é o seu principal dever: informar para transformar. Diferente da criança que mente por descobrir a vida, ou do adulto covarde, ou mesmo mau-caráter, o jornalismo de causas exige maturidade.
É necessário promover os papos difíceis, admitir o posicionamento, não fechar os olhos para o contraditório, no fim, ser adulto.